Levantamento do Mastro para São Benedito (2024)
Domingo, 25 de agosto de 2024. Rua Negrinho Barbosa, n. 138. Residencial Antônio Barbosa. Goiânia. Góias.
No Brasil de dentro.
O dia amanheceu estranhamente cinza. Não, não era apenas uma sensação, todo o Brasil se alarmava com a combinação de calor e secura, que intensificava as queimadas e acinzentava o dia. A expectativa, sem dúvida, era de um belo domingo ensolarado, mas na ausência do amarelo, o nublado se impôs.
Ainda por volta das seis, acordada pelo cacarejar da ansiedade, fui dar satisfação para os caminhos. Saudar o Exú da porta, jogar a água e farinha na rua, pedindo licença para Njila e proteção para quem vem. Logo em seguida, a água da quartinha e uma luz (vela) aos pés do Ogum assentado no barracão. Bato palmas pedindo licença e acordando o sagrado do lugar. É dia de festa! E por mais que a festa seja para São Benedito, Exu e Ogum, são sempre os primeiros.
Festa para santo católico. Na casa de uma makota de candomblé angola (iniciada no nkisi), cargo de caboclo, que tem orixás assentados… Que é também, um espaço de capoeira e a sede de uma companhia de artes cênicas. Parece estranho? Acho que se essa não fosse a minha história, os caminhos que caminhei, acharia estranho… Mas sendo eu, eu mesma, só posso dizer, ou só preciso dizer que nessa encruzilhada, tem muita fé e encanto envolvido.
Sete e trinta o interfone toca, chega alguém para ajudar, depois, outra, depois outra… Melhor deixar o portão aberto. Todas já sabem o que fazer: lavar os banheiros; lavar o Águas; lavar a garagem; lavar a varanda na frente do Águas; lavar copos e talheres ; organizar as mesas; organizar lixos; colocar cartazes; preparar o altar; deixar a fogueira no jeito e ajeitar as lenhas na calçada. Tudo pronto? As caixeiras de saias coloridas e blusas brancas empunham suas caixas e saem para a rua, acompanhadas de um modesto grupo de pessoas e caminham para o Sertão Negro.
Foto: Vinicius Bolivar
No portaõ do Sertão Negro, cantando Orai por Nobis, pedimos licença para entrar, saudamos os donos da casa e o povo do lugar. A essa altura, mais gente veio ver. O calor e sorriso das pessoas até pareceu clarear o dia.
Meu amigo Sertão Negro,
Orai pro nobis
aqui estou em seu portão,
Miserere Nobis
vim buscar nossa bandeira e
levar muita emoção
Orai pro nobis.
Com determinação, adentramos o espaço e fomos recebidas por um São Benedito sorridente que ao nos ofertar o pão, levou-me algumas lágrimas.
Foto: Marcelo Ramalho (Sertão Negro)
E como sugeriu o bendito da bandeira, compartilhamos o pão, a fruta, o bolo e o café em um gostoso café da manhã.
Jejum apaziguado é hora de reunir o batalhão e marchar para a missão de levantar, pelo segundo ano consecutivo, o mastro para São Benedito. Saimos em cortejo do Sertão Negro para o Águas de Menino, perfazendo novamente o caminho sertão d'água.
Bandeireiro, bandeireiro
Faz a usa obrigação
Vamos acompanhar a procissã
Que é da Santa Croa, ea.
Foto: Valéria Melo
Já refleti aqui nesta mesma revista, na edição passada, sobre o porquê de se levantar um Mastro para São Benedito. Não se trata apenas de uma ato de devoção ao santo, é sobre a crença na cultura afro-maranhense, diz também sobre reunir pessoas, compartilhar o alimento, a música, a dança... É sobre o compromisso com o tambor de crioula que pelo parentesco, trouxe o toque das caixeiras.
É bem verdade que poderíamos fazer tudo isso sem o pretexto do santinho (e também fazemos), mas é fato que São Benedito tem um encanto especial que recai não só sobre o tambor de crioula, mas também em outras manifestações tradicionais afro-ameríndias. Pois se a fé move montanhas, imagina só o que ela pode fazer por nós, que já estamos em movimento. Impulsiona ainda mais nosso desejo de estar junto, de memorar, comemorar e celebrar.
Depois de adentrar o espaço Águas de Menino - também com toque das caixas - uma pausa para o acolhimento e hidratação. O dia continua seco e fumacento. Mas, poderia ser pior, esse ano lembramos de ascender a fogueira na rua, para não ficarmos tão próximos da fumaça. Enquanto as caixeiras descansam da caminhada, a gondó - nossa parelha, é aquecida.
Foto: Murillo
Parelha quase no jeito. As caixeiras voltam a tocar, agora em frente ao altar ...
Foto: Vinicius Bolivar
Lá no seu tem 7 estrelas,
que alumeia o meio do mar…
Nos somos filhas de Deus, nos devemos adorar.
Nós somos filhas de Deus, nos devemos adorar.
Um grupo se encarrega de colocar a bandeira no mastro. Cada ato tem sua importância...
Foto: Marcelo Ramalho (Sertão Negro)
As caixeiras se levantam, saúdam o santo do altar e caminham até o local de levantamento do mastro. Em poucos instantes, a bandeira sobe ao céu, ao som da toada puxada por nossa caixeira régia, Joana Abreu.
Foto: Colagem vários autores
A parelha se dispede provisoriamente da fogueira e vai para o terreiro ser tocada para São Benedito e seu padrinho Noel Carvalho entoa:
Oh meu mano
Oh rapaz
Eu venho do bom que doi
pra tocar tambor na feira
pra saudar São Benedito que é meu santo padroeiro.
As caixeiras se transformam em coreiras, as saias começam a se agitar ao pé do mastro e na sombra do Ipeobá.
Depois, os tambores são deslocados para o barracão e uma grande roda, com mulheres diversas se abre.
Depois de muito tocar, cantar e dançar, almoçar uma gostosa feijoada preparada com carinho por nossa vizinha maranhense Welly, a festa se encerra com as
as caixeiras empunhando suas caixas e dando a despedida. Anunciando que o fim é o começo.
Foto: Lorena Fonte. Roda de Tambor de Crioula da artista D. Izabel (São Luis, Maranhão)
Renata Kabilaewatala
Águas de Menino, em um dia sereno, 2024.