Apresentação 8ª Edição/Sumário
Apresentação Dossiê 2022
Um mar de possibilidades: conectando escolas, universidades e comunidades
“Quero o brilho cortante
Desses cacos de vidro
Palavras no corpo
Respostas ao vento
Você diz pra não falar de amor
E me pede pra fechar os olhos
Esquecer, amor
Poucos versos são precisos”
(Canção Palavras no corpo, interpretada por Gal Costa. Composição: Omar Salomão, 2018)
Cada escrita aqui colocada reflete o inebriante caminhar que se faz em espaços distintos e, neste espaço/tempo intitulado revista Mosaico, encontram-se e formam corpo complexo, cortante no tecido social que, porventura, insiste em ignorar as existências de povos negros e originários entre outros grupos invisibilizadas como pessoas com deficiência e LGBTQIA+. As palavras versadas, escritas, vistas ou ouvidas são respostas lançadas ao vento de modo a firmar com força todo o trabalho realizado no hoje e no ontem, contribuindo com contextos educativos mais inclusivos e pluriepistêmicos. Vento que leva e traz boas novas. É possível sentir aqui o brilho de cada existência transcrita em produções diversas.
A revista Mosaico - escritos e rabiscos do Núcleo de Pesquisa e Investigação Cênica Coletivo 22 - em sua oitava edição - apresenta o dossiê Um mar de possibilidades: conectando escolas, universidades e comunidades, que tem a intenção de tornar públicas, visíveis e acessíveis produções acadêmicas que evidenciem experiências individuais ou coletivas sobre a temática. Tais experiências partiram de grupos de estudo, pesquisa, extensão e ensino, assim como de produções artísticas e em espaços educacionais, debatendo sobre as propostas transgressoras de ensino que conectam espaços distintos - universidades, escolas e comunidades. Como brilho refletido no espelho d’água, o/a leitor/a poderá perceber um mar de possibilidades quanto ao formato das produções: relatos de experiência, cartas, resultados de pesquisas, ensaios, contos, produções da Série Visualidades, incluindo fotografias e vídeo-performances.
A transgressão das propostas relembra falas de bell hooks, que considera a educação como prática de liberdade, relata a importância do bem estar das pessoas envolvidas no cenário educativo, bem como os processos de autoatualização dos/as profissionais. Como retrata hooks (2013, p. 273):
“A sala de aula, com todas as suas limitações, continua sendo um ambiente de possibilidades. Nesse campo de possibilidades, temos a oportunidade de trabalhar pela liberdade, de exigir de nós e dos nossos camaradas uma abertura da mente e do coração e que nos permita encarar a realidade ao mesmo tempo em que, coletivamente, imaginamos esquemas para cruzar fronteiras, para transgredir. Isso é a educação como prática de liberdade.”
Compreendendo que as salas de aula podem assumir configurações diversas, as possibilidades de trabalhar a liberdade, o desejo por aprender, a atuação engajada também são diversas como nós somos e são também nossos caminhos de ensino e aprendizagens.
“Aprender a colher o tento na mata,
Fazer cocar de miriti,
A juntar as penas que vêm das aves
(...)
Na aldeia é assim a educação
Que desde séculos aprendi,
Conviver com a natureza
Sem agredir, nem exaurir,
Se hoje no século XXI
Tens a mata e a biodiversidade,
Nesse verde eu cresci
E conheci sua bondade,
Partilhar água e sombra,
Sem ver nisso tanta maldade.”
(Márcia Wayna Kambeba)
Seguindo pelos caminhos aqui apresentados, a 8a edição da revista apresenta escritos e rabiscos produzidos por professoras universitárias, estudantes de pós-graduação e graduação atuantes no campo da educação e no campo artístico em toda sua multiplicidade.
Na série Visualidades, foi possível contar com produções de Flávia Honorato, abrindo a série com a sequência intitulada Encruza e seguindo com a série Est(ação). Em ambas as produções da autora é possível perceber a sensibilidade no olhar para a ação cotidiana e sagrada, em territórios tradicionais e demais territórios .
A partir das percepções de Renata Bastos e Leandro de Sousa foi possível adentrar à série Corpocerrado-travessias. ampliando os olhares para os corpos em suas diferentes formas que atravessam o Cerrado goiano-corpos humanos, águas, raízes e tantos outros que constituem a diversidade deste bioma.
Essas mesmas águas nos levaram até a vídeo-performance de Lívia Vergara: No fio condutor das águas. Percebendo memórias, desejos, cotidianos que perpassam o rio. Entre nados e cantos, fica o registro de quem é mulher das águas, “canoeira do barco” como é possível ouvir a partir da autora intérprete.
Nestes percursos, essas águas nos conduzem para um relato produzido por Suzane Andrade, intitulado À Abordagem Triangular no processo de criação com arte em contexto informal com educando autista. destacando as articulações entre arte, cultura e educação. Seu relato retrata experiências inclusivas a partir da sua relação com uma estudante com síndrome de espectro autista. As potências que favorecem os processos de aprendizagem numa perspectiva inclusiva a partir da abordagem triangular são explicitadas nesta produção.
Para encerrar esta série, Luiz Adriano Garibaldi e Lunna Guimarães evidenciam em seu vídeo performance, intitulado desEstrutura, as possibilidades de improvisação que dois corpos criam. Apresentam a quem assiste trilha sonora e movimentos que captam os diversos sentidos, construindo e estruturando outras formas de perceber o corpo nos espaços cotidianos.
Enveredando pelas escritas, Jhamila de Oliveira abre a seção de textos com o relato de uma experiência transgressora. A autora, ao longo do seu trabalho intitulado O ensino de Teatro: relato de uma experiência transformadora, constrói argumentos sobre como percebe o teatro e seu potencial transgressor quanto ao ensino nos espaços de educação e de produção de conhecimento, trazendo para a cena e para sua reflexão escrita possibilidades de pensar sua ancestralidade negra.
Contribuindo com as reflexões, o grupo composto por Marlini D. de Lima, Claudia C. Barreto, Lívia da C. Vergara e Luiz Adriano N. Garibaldi, em trabalho intitulado Na confluência das águas, eu sou, nós somos: experiências educacionais em poéticas populares, parte do relato da experiência vivida em componentes curriculares de um programa de pós-graduação em Artes da Cena (PPGAC-UFG) para descrever e refletir sobre uma metodologia de trabalho inspirada num pensamento decolonial que se banha pela imagem do fluxo das águas, das mulheres das águas, buscando em poemas, contos, teorias, memórias, narrativas e poéticas populares, a experiência do fluir coletivo
Os espaços de educação formal e suas transformações na última década foram alvo de reflexão e escrita da autora Joana Abreu. As políticas de ações afirmativas, como é o caso da lei de cotas, preocupam-se em minimizar os impactos das desigualdades sociais enfrentadas por grupos historicamente marginalizados. A autora, em seu trabalho intitulado Universidades em transformação: as cotas como provocações pluriepistêmicas, dedica sua análise especialmente aos cursos ligados às artes das cenas, apresentando cenários e reflexões sobre os entrelaçamentos entre as dimensões políticas, pedagógicas e metodológicas.
Ainda no âmbito das artes da cena, a autora Letícia Santiago, em sua produção intitulada Corpo, mente, espírito e cena: a integração da prática somática na vida/arte para a construção de uma cena, mostra o respeito à natureza que vem ao encontro do respeito consigo mesma, entendendo os processo corporais, individuais e coletivos como possibilidade de transgressão das propostas teatrais hegemônicas, alçando novas perspectivas sensíveis e afetivas de criação cênica.
Luiz Adriano Garibaldi e Lunna Guimarães, ao relatarem a experiência de produção de video-performance também disponibilizado neste dossiê, descrevem o processo vivido em Improvisando a dois: relato de experiência da produção de uma vídeo performance. Nesse processo, compartilham vivências de improvisação na dança, sempre abordando a presença dos corpos generificados nas danças de salão e buscando, com sua reflexão e com o vídeo dança criado, encontrar novos fluxos para corpos diversos nesse estilo de dança.
A partir das escritas de Thatianny Mukongotawa em O mar, voinha e algumas histórias contadas ao pé do pilão: reflexões sobre fortalecimento para uma docência engajada, encontramos as memórias e vivências afetivas da autora com sua avó. Uma avó conhecida somente pelas dimensões invisíveis, mas que dá a mão a sua neta, conduzindo-a nas descobertas do amplo mar, com suas múltiplas dimensões.
Para encerrar o dossiê de maneira a conectar com o que foi inicialmente apresentado, trazendo portanto as múltiplas formas de existir, aprender, ensinar, considerando as multiplicidades de seres e corpos, o conto escrito por Takaiúna, intitulado O Grande Macaco Branco, traz imagens e narrativas, embrenhadas nas matas das florestas e nas águas do rio, com possíveis explicações para as dicotomias que não nos igualam mas alimentam as hierarquias entre o eu e o outro.
Assim, a partir dessa miríade de modos de vivenciar, refletir e compartilhar travessias de mares às vezes revoltos, às vezes diaspóricos, em outras cristalinos, mas sempre profundos, esperamos contribuir com a constituição de relações mais abrangentes, afetivas e diversas nos canais de comunicação e troca entre a universidade, as escolas e a comunidade. Lança-mo-nos portanto a essa Kalunga grande por roteiros espiralares que conectam os tempos ancestrais com o aqui e agora, redesenhando futuros e lugares de aprender e ensinar com liberdade.
A equipe do dossiê Um mar de possibilidades: conectando escolas, universidades e comunidades foi composta também por Ketlin Cristina Mouzinho Santos na diagramação, fotografia e design de Rafael Gofer, além das editoras Thatianny Alves de Lima Silva, Joana Abreu Pereira de Oliveira e Marline Dornelles de Lima..
Que nessa grande kalunga seja possível múltiplos encontros.
Boa leitura!
Dezembro de 2022.
REFERÊNCIAS
HOOKS,bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade.São Paulo: Editora WMF, 2017.
KAMBEBA, Márcia Wayna. Educação Indígena. Disponível em: https://educapes.capes.gov.br/bitstream/capes/553433/5/Poema%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20Ind%C3%ADgena.pdf . Acesso em 02 fev 2022.
SUMÁRIO
Visualidades
Flávia Cristina Honorato dos Santos
Flávia Cristina Honorato dos Santos
Recortes - CORPOCERRADO: travessias
Renata de Sousa Bastos e Leandro Araújo de Sousa
Lívia da Costa Vergara
À Abordagem Triangular no processo de criação com arte em contexto informal com educando autista.
Suzane Oliveira Andrade
Luiz Adriano Neri Garibaldi e Lunna Gomes Guimarães
Escritos e rabiscos
O ensino de Teatro: relato de uma experiência transformadora
Jhamila Caroline Sousa de Oliveira
Na confluência das águas, eu sou, nós somos: experiências educacionais em poéticas populares
Marlini D. de Lima, Claudia C. Barreto, Lívia da C. Vergara e Luiz Adriano N. Garibaldi,
Universidades em transformação: as cotas como provocações pluriepistêmicas
Joana Abreu
Letícia Lemes Santiago
Improvisando a dois: relato de experiência da produção de uma vídeo performance.
Luiz Adriano Neri Garibaldi e Lunna Gomes Guimarães
Thatianny Mukongotawa (Thatianny Alves de L. Silva)
Takaiúna
Equipe editorial:
Editoras: Thatianny Alves de Lima Silva
Joana Abreu Pereira de Oliveira
Marline de Lima
Renata de Lima Silva (Kabilaewatala)
Diagramação: Ketlin Cristina Mouzinho Santos
Fotografia e design de capa: Rafael Gofer